Os dias são sonhos lançados
Na vida, oportunidades perdidas.
Os escassos momentos de lucidez,
Se os houve, por vezes mascarados,
Foram nada mais que outras vidas
Que fiz sem fazer o que se fez.
São de secas os feitos, nados-mortos,
Frascos encharcados de quase nada.
As outras vidas, imersas e vagas,
Deambulam em invernos tortos
Contra relógios de corda parada,
Inversos, são acendalhas nas fragas.
Somos água corrente putrificada
Com sangue da vida de outrem.
Albufeiras de larvas e de lama.
Nascem cardos nos trilhos da vida,
Assim que choram, quando nascem,
Aqueles que um dia serão chama
E farão arder nas páginas rubras,
Tingidas pela paixão que fazem brotar
Nas horas inertes da madrugada.
Assim te sentas frente a nada e deslumbras
Como quem olha um quadro acabado de pintar
Disposto numa galeria condecorada.
Os sonhos são as horas perdidas, por certo,
Nas camas em que não dormes, sequer.
Descortinados desenhos mentais monocromáticos –
Embora acredite que coloro os meus de afecto
De tão surreais como um qualquer
Desenho de caleidoscópio automático,
Impossíveis de decifrar por oniroscopia,
Ou daqueles afeitos à experiência secular.
Os meus sonhos são murchas flores
Sedentas de uma rara realidade que existia
Apenas para saber como se libertar
Das regras que regem as próprias dores.
Bruno Torrão
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